10/10/2013

Um conto e um corpo.

Lá estava Ana gritando, descabelada, com os calçados nas mãos.
Quem via a cena levava um tempo para entender o que ela balbuciava enquanto tentava recuperar seu fôlego.

- Parem tudo! Parem já!

Todos olhavam atentos, enquanto Ana sacudia freneticamente seu bloco de anotações. 
Na sala, todos parados, olhares curiosos e pensamentos no que ela trazia de tão interessante desta vez.
Pessoas e prensas paradas, no aguardo da notícia do século.

Iolando se aproxima e tomou o bloco para ver o que havia ali, já que Ana não conseguia recuperar o fôlego. Ela havia atravessado a cidade a pé, andou alguns quilômetros para levar antes do fechamento da edição aquela “bomba”. Olha a primeira página: uma pequena lista, parecendo tópicos. Coçou a cabeça tentando entender aquelas informação aparentemente sem nexo:
//Antony Rossphelth
// Rosiane Bourbon
// Navio Macktub III
Vitor analisava junto com Iolando o que eram as anotações, ao perceberem que havia uma folha toda dobrada, anexada ao bloco de Ana. Era uma carta manuscrita, assinada pela Rosiane Bourbon, famosa pelas suas campanhas em prol da virgindade.
Uma carta de amor, entre Rosiane e um marinheiro.

“Querido Antony;
Envio esta carta como uma última tentativa de notícias suas.
Ainda sinto em meu corpo o teu cheiro, em minha pele o leve tocar de teus dedos.
Sempre que passo pela calçada do Hotel que dividimos a cama, lembro da noite que fui possuída por ti, que fui refém e carrasco.
Um pouco envergonhada, confesso, com tamanha brutalidade a que me tomaste, mas que eu não revidei, aceitei, gozei.
Seria um lindo momento em nossa vida, se não fosse pelo o que destino nos reservava. Uma separação. Um oceano entre nós.
Já faz algum tempo que deixaste de mandar notícias, fico apenas com aquelas memórias de meses, mas que me parecem ter acontecido ontem
...
Sempre Sua,
Rosy Bourboun.”

Não seria nada de mais, nenhuma notícia interessante, se a Stra. Bourbon não fosse o símbolo de castidade da alta sociedade. Tentava, ela, levar as jovens ao pensamento de que seus corpos não poderiam ser “violados” até o casamento. Defendia uma bandeira de que o sexo era sujo, feio e que não deveria ser praticado sem o fim da procriação. Todos os conhecidos dogmas da Igreja Católica eram transformados em banners para postagens diárias nas redes sociais da solteira e imaculada Rosiane.
A carta estava sem data, mas o papel amarelado entregava tratar-se de um passado distante.
Agora a vergonha de Rosiane não estaria apenas no ato de sentir saudades daquele homem misterioso que, aparentemente ,depois daquela noite jamais voltou a se comunicar. Seria a queda de uma reputação puritana. Quem a conhecia, poderia dizer que em seus olhos havia um certo misto de tristeza e raiva. Agora poderiam entender o que atordoava tanto aquela mulher.
Ana havia conseguido conteúdo suficiente para uma matéria com embasamento, todos os fatos haviam sido pesquisados, encontrando até a lista de tripulantes do navio Macktub III a qual constava o nome do então marinheiro  Rossphelth. Uma lista de hóspedes do antigo Hotel, que hoje era apenas um ponto turístico da pequena cidade, confirmava que os jovens haviam ali estado em uma noite de outono.

Iolando, chefe da redação, estava em dúvidas se comprava a briga contra a “Dama Símbolo da Moral e Bons Costumes” ou se deixava a história de Ana em uma gaveta, como tantas outras... Ana acusava Rosiane de prostituição, não de seu corpo, mas de suas idéias e Iolando estava justamente pensando se ao engavetar o artigo não estaria ele, através de seu jornal, sendo cúmplice de tal prostituição?

06/10/2013

Cartas pra que te quero...

Eu adoro escrever, adoro mesmo, mas não em meios virtuais [apesar de que escrevo pelos sites de relacionamento], estou falando da caneta tocando o papel e as letras tomando forma. Sou narcisista de escrita, não gosto muito do que escrevo, mas amo ver a minha letra, amo ficar observando as palavras surgindo e os desenhos cada letrinha vai formando.
Sempre escrevi cartas que enviei, mas de um tempo para cá, com o surgimento do e-mail, facebook e todo tipo de acelerador de comunicação, parei de enviar cartas e de escrevê-las.
Criei uma espécie de diário que já completa 8 anos de existência, um diário meio torto, já que tem anos que deixei de escrever diariamente nele... mas ainda escrevo, vez ou outra, sobre coisas, pessoas e sentimentos. Tudo aquilo que eu penso que não deva ser compartilhado com o mundo externo, fica lá, guardadinho. Quando releio, dou risada dos meus anseios, devaneios e dramas que por vezes me tiraram o sono e com o passar do tempo os percebo tão bobos.
Escrever é um alívio, é tirar de dentro tudo o que escondemos ou nem sabemos que sentimos, as palavras vão tomando sentido e uma coisa vai levando a outra, quase uma psicografia.
Dia desses escrevi uma carta, a qual não enviei. Duas coisas que não fazia há tempos, escrever carta e deixar de enviá-la, mas desta vez não coloquei em um envelope, não selei. Talvez por medo do que o destinatário iria pensar ao receber aquelas linhas confusas mas honestas, talvez por não achar que valeria a pena tanta exposição. Não sei justificar o motivo, mas o fato é que não foi enviada.
O destinatário nem imagina a história contata, nem faz ideia de que em alguma gaveta de minha casa exista para ele um carinho em formato de carta. Para minha surpresa não bastou não ter enviado a primeira, eis que escrevo uma segunda carta e com a certeza de que não a enviarei.
Quantas cartas ainda escreverei sem enviar? Sei lá,  nem sei por quanto tempo irei guardá-las, mas fiquei imaginando daqui um tempo eu relendo essas cartas, jamais enviadas, e pensando que a decisão de não postá-las foi a certa ou a errada?