19/01/2009

A maior praia do mundo...



Uma enorme placa, na entrada do Cassino, anuncia que o transeunte - morador, turista ou veranista - está acabando de chegar na "praia do Guiness, a maior praia do mundo". Dizem-me que na entrada do Hermenegildo há uma placa semelhante, mas aí com a redação de que essa é "verdadeira maior praia do mundo". Quer dizer: o livro dos recordes aceitou a versão de que a orla oceânica mais extensa do universo localiza-se no município de Rio Grande, e esse fato motivou a reação dos moradores de Santa Vitória, amparados pela circunstância de que o mais amplo espaço dessa praia imensa está dentro dos limites desse antigo território que um dia se chamou Campos Neutrais.

Ambas as informações - é fácil concluir - estão redondamente equivocadas. Essa praia, que se estende por mais de 220 quilômetros, vai da barra do Rio Grande à barra do Chuí. Em toda essa extensão, com o passar do tempo, fundaram-se dois municípios, Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, e não só dois, mas três balneários: o do Cassino em Rio Grande, os do Hermenegildo e Chuí em Santa Vitória. E é isto, precisamente, o que eles são: balneários da praia. Porque a praia é uma só, una e indivisível - uma linha reta, em suave declive, sem baías e sem portos, justamente o que lhe empresta a singularidade de ser, de fato, a maior praia do mundo.
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O Hermenegildo é o mais recente, surgiu na década de 1950 mas foi criado por lei de 11 de agosto de 1969. No Chuí os primitivos chalés apareceram nos primeiros anos de 1920; em 1926 construiu-se uma ponte sobre o arroio, o que decerto contribuiu para que em 15 de janeiro de 1932 recebesse oficialmente o nome de Povoado da Barra do Chuí.

O mais antigo é o Cassino - aliás, Vila Siqueira, em homenagem a Antônio Cândido Siqueira, diretor-gerente da Companhia Carris Urbanos de Rio Grande. Em 17 de janeiro de 1885 uma lei provincial outorgou a essa empresa "a concessão das marinhas na costa da Lagoa Mangueira, para o fim específico de fundar e explorar uma estação de banhos". Responsável pela circulação, na cidade, de bondes sobre trilhos - na ocasião, puxados a burro -, a companhia pretendia estender a linha urbana até o projetado balneário.

Seguiu-se um processo judicial, movido pela Southern Brazilian Railway, que explorava a estrada de ferro Rio Grande-Bagé - inaugurada em 1884 - e que alegava primazia no transporte ferroviário de toda a região. A questão foi solucionada ao se constituírem novas empresas: Companhia de Bondes Suburbanos da Mangueira, Companhia Estrada de Ferro Rio Grande-Costa do Mar e Companhia Viação Rio-Grandense. Quando os trilhos atingiram o Cassino, em 1889, a vila já estava estruturada a partir de "uma avenida de 2.200 metros de comprimento até a costa do mar, com 40 quadras de terreno de 100 por 50, formando ruas de 16 metros de largura". Foi o trem, cuja primeira viagem se realizou em 26 de janeiro de 1890, que impôs, portanto, esta singularidade ao balneário: sua urbanização no sentido transversal, e não paralelo, à orla do oceano.

As primeiras construções, ao longo da avenida, foram, do lado esquerdo, 40 apartamentos mobiliados, de porta e janela, que se distribuíam em todas as faces do quarteirão - até hoje conhecidas, por esse motivo, como Quadro; do lado direito, um hotel, primeiro chamado de Hotel da Estação Balnear, depois Hotel Cassino, desde 1919 Hotel Atlântico; e, à beira-mar, instalações destinadas à troca de roupa, de ocupação rotativa, e barracas, alugadas por dia "para ponto de apoio às famílias que fossem passear na praia".

Na quadra seguinte ao hotel - em terreno doado pela Companhia Viação Rio-Grandense -, edificou-se a igreja, graças a recursos arrecadados em consecutivas festividades, durante dez veraneios, a partir de 1895. Em 12 de maio de 1904, a obra era entregue, pronta, aos cuidados da Mitra Diocesana de São Pedro do Rio Grande do Sul.

Em 1909, o coronel Augusto Cezar de Leivas adquiriu imensa área na chamada Costa da Mangueira, incluindo o novo balneário. Sua filha, Maria José Leivas Otero - "dona Zoquinha" -, deixou sua memória para sempre associada à memória do Cassino.

Projetada segundo o modelo das praias européias (com seus chalés, geralmente em estilo normando, construídos em amplos terrenos, que se chamavam vilas), a Vila Siqueira é anterior a todos os balneários do Rio de Janeiro: Copacabana, o mais antigo, data de 1892.